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Onde estão as mulheres?*

Atualizado: 18 de out. de 2023

Onde estão as mulheres? — na história da arquitetura, na prática da arquitetura, no ensino da arquitetura, nos usos da arquitetura, na encomenda, na vivência do espaço público, no urbanismo... — para as nossas colegas e camaradas em arquitetura e urbanismo, em Portugal e não só. A nossa chamada aberta viajou internacionalmente e este primeiro ano de trabalho como equipa editorial da Revista Lina : Perspectivas feministas em Arquitetura e Urbanismo foi desafiador para todas nós. Enquanto equipa jovem e independente, multidisciplinar entre a história da arte, a arte urbana, a arquitetura e o urbanismo, a nossa parceira entre alumni do núcleo feminista da FAUP e o coletivo MAAD contribuiu para a riqueza e diversidade da Revista Lina.


Esse projeto surge da vontade coletiva de 5 mulheres ativistas de contribuir para uma mudança radical dentro das áreas da arquitetura e do urbanismo, considerando-as ferramentas políticas fundamentais na construção da sociedade.


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“Onde estão as mulheres?” é uma pergunta abrangente que se inclui num esforço internacional contemporâneo de recuperação histórica do contributo das mulheres. Apesar de sermos – ao menos – metade da população mundial, a nossa existência, contributos e memória continuam a ser suprimidos nas narrativas históricas oficiais. Esta prática, comum a todas às áreas do saber e do fazer, resulta das estruturas patriarcais, coloniais e misóginas sob as quais vivemos, e consiste também em um gesto de violência simbólica.


Na historiografia da arte, como aponta Linda Nochlin no seu ensaio “Why Have There Been No Great Women Artists?” (1971), a aceitação inconsciente do ponto de vista do homem-branco-hétero-ocidental como sendo o ponto de vista histórico universal, automaticamente aceite e validado, é um claro exemplo da perpetuação epistemológica desta violência. O mesmo acontece na arquitetura, tanto na prática como nas formulações teóricas e históricas. Não são poucos os exemplos de supressão, distorção ou silenciamento do contributo feminino, basta olharmos para o caso de Lilly Reich, Eileen Gray ou Denise Scott Brown; ou ainda para o próprio ensino académico da disciplina pautado pelo culto das personalidades masculinas.


Assim, o combate ao silenciamento histórico das mulheres vem, desde o séc. XIX, ganhando urgência e expressão dentro dos movimentos feministas. Mulheres de distintas áreas — das ciências às letras e artes — têm se unido no sentido de contrariar as tendências historiográficas totalizadoras nas quais não nos vemos representadas. No contexto da arquitetura contemporânea, esta iniciativa foi/é levada avante por várias arquitetas, entre elas Zaida Muxi Martinez, autora de “Mujeres, Casa y Ciudades: mas alla del umbral” (1ª edição 2018), um dos livros pioneiros da historiografia da arquitectura e do urbanismo com perspectivas feministas. Na sua obra Muxi rebate a falsa ideia da “não participação/existência das mulheres” na vida e nos espaços públicos através de uma releitura crítica da historiografia:


“(...) hay y ha habido mujeres en la esfera pública, y es necesario volver a mirar, a releer, para encontrarlas y encontrarnos”(Muxi Martinez, 2018) [1].

A resposta : o número #0 da Revista Lina, o projeto piloto


As respostas que recebemos através da submissão de contributos se mostraram amplamente ricas e diversas, desde às temáticas e formatos, como das geografias de origem das autoras e autores ou dos casos de estudo analisados. Desta maneira, nesta primeira edição incluem-se os contributos de autoras e autores da Europa e América do Sul, que contemplam contextos do Brasil, Alemanha, Argentina, Portugal, Espanha, Suíça, Suécia e Holanda. A conjugação de contributos das autoras convidadas com aquelas e aqueles provenientes do open call resultou numa revista que abrange os mais variados formatos: objectos gráficos, ensaios, artigos de opinião, monografias; tal como um amplo repertório temático sobre cultura arquitectónica, estudos culturais, média, movimentos sociais, mapeamentos de representatividade feminina, entre outros. Verificamos uma aproximação colectiva que caracteriza o feminismo como movimento social e político, composta pela abordagem de quem, generosamente, se propôs a partilhar os seus trabalhos e investigações, visibilizando a experiência das mulheres na arquitectura e no urbanismo.


Em Abril de 2021 participamos no V Congresso Internacional Arquitectura e Género | ACÇÃO. Feminismos e a espacialização das resistências [2] organizado pelo projeto de investigação w@arch.pt Arquitectas em Portugal: construção da visibilidade 1942-1986 [3] para permitir uma difusão mais ampla da Revista Lina. Marcar presença neste congresso enquanto equipa editorial foi um primeiro desafio público que nos permitiu colocar em debate algumas questões estruturais da Revista ainda em construção, e através do diálogo com outras arquitetas, urbanistas e ativistas pudemos alcançar uma perspectiva mais ampla daquilo que juntas poderíamos construir a partir da organização dos contributos recebidos.


Sem mais delongas apresentamos o primeiro número da Revista Lina : Perspectivas feministas em Arquitetura e Urbanismo, o Revista Lina #0; comentando brevemente as rubricas e separadores temáticos. A Coluna Na Janela, A Arquitectura como exercício da liberdade, sobre Lina Bo Bardi, apresenta nesta edição uma reflexão crítica sobre o percurso da arquiteta que nos inspirou a começar essa aventura e que empresta o nome ao projeto. A coluna “Na Janela” será uma rubrica fixa, sempre presente nos futuros números e pretende abordar perfis de arquitetas e teóricas importantes.


O separador Ensaios compõe-se por Mulheres do Povo, fotografia do Mário João Mesquita e um ensaio-poético Ecos e vozes, delas e nossas por Aurora dos Campos e Joana Passi de Moraes. Ambos contributos estabelecem conexões com as ruas do Porto transportando-nos para a atmosfera do quotidiano da cidade.


Os artigos de Opinião, O Mito do Fio de Ariadne: revelando a voz da primeira arquiteta por Érica Maria de Barros Martins e O Háptico de Fernanda Fragateiro enquanto proposta de vivências feministas do espaço público por Joana Tomé, apresentam análises originais, a partir da releitura crítica de uma figura mitológica, Ariadne, e no outro caso da obra de uma artista plástica portuguesa, Fernanda Fragateiro.


Sobre Elas (arquitetas e urbanistas) reúne os artigos sobre arquitetas e urbanistas e os seus diversos contributos muitas vezes invisibilizados: Mujeres en las ciudades: Jakoba H. Mulder, Urbanista por Zaida Muxi e Mireia Simó (por convite); “Não sou moralista, quero simplesmente abrir espaço para a vida.” – a arquitectura de Léonie Geisendorf (1914-2016) por João Manarte; Cini Boeri, A room of one’s own. por Annamaria Prandi; A produção arquitetônica feminina cearense: visibilizando a trajetória de Nélia Romero por Ingrid Teixeira Peixoto; e, o Manifesto Mulheres na Arquitetura apresentado pela Associação Mulheres na Arquitetura.


Em Mulheres nas Mídias encontram-se contribuições diversas sobre a presença e contributo das mulheres nos contextos editoriais relacionados com arquitetura, artes e urbanismo ; como Modernas, midiáticas, mulheres... Três revistas com selo feminino na difusão da arquitetura moderna brasileira por Giovanna Augusto Merli e Patricia Méndez; Mulheres no Ciberespaço: Arquitetas ou Usuárias? O Exemplo da Wikipédia por Flavia Doria; Soñadoras Errantes: territorios femeninos y espacios creativos móviles: lugares, vida y tiempo por Mara Sánchez.


Projectos de Arquitetura e Urbanismo Feministas, reúne trabalhos de coletivos de arquitetura e urbanismo que atuam com perspectiva feminista. Arquitecturas para crecer en igualdad pelo coletivo catalã Equal Saree apresenta possibilidades de intervenções em pátios escolares projetados sob uma perspectiva de género inclusiva e paritária, com exemplos de projetos participativos na área metropolitana de Barcelona. O projeto Parada Segura, pelo Coletivo TURBA (constituído por Paula Motta, Renata Saffer e Roberta de Alencastro) explora a realidade e as problemáticas brasileiras das paragens de autocarro, a partir das quais desenvolvem uma proposta orientada para o melhoramento das condições de conforto e segurança da experiência das mulheres e crianças nestes espaços e equipamentos públicos.


Os Projetos Pedagógicos incluem Bauhaus Coupling: Critical Illustrations on Ise & Walter Gropius por Inés Toscano, Altyn Ozdemir e Omar Khaled Salama, trabalhos desenvolvido e apresentados no âmbito de duas unidades curriculares de mestrado em arquitetura numa universidade na Alemanha; Também no contexto de formação académica o projeto ARQTETATLAS: Pesquisa Ativista em contribuição ao Estudo de Projeto por Mariana Alves Barbosa, Juliana Trama, Thaís Coelho e Amanda Tamburu, visa promover a reflexão e desconstrução do conceito de “arquiteto estrela”, articulado à discussão sobre visibilidade elaboração da produção arquitetônica por mulheres e coletivos na América Latina a partir de um mapeamento desenvolvido pelas estudantes.


Finalmente em Formas De Habitar: Mulheres, Território E Luta reunimos os artigos que apresentam as diferentes formas de habitar a cidade e o território, mostrando as várias formas de produzir cidade, assim como de resistência das mulheres contra o patriarcado, o capitalismo e a violência sexual — com ênfase no contexto carcerário — e o lugar presente e passado das mulheres na construção do território e da paisagem; explorados nas seguintes contribuições: O Protagonismo Feminino nos movimentos sociais de moradia por Isabel Mayumi Zerbinato, Laura Melo Avelar e Raquel Garcia Gonçalves; Espaços carcerários no Brasil e a questão de gênero por Giovanna Bianchini; Representatividade Feminina na Cidade por Coletivo TURBA (Paula Motta, Renata Saffer e Roberta de Alencastro); Mulheres: sujeitos da transformação social e urbana a partir da experiência de integrantes do MTST-Leste por Giovanna Tozzi; Onde estão as Mulheres nas intervenções em favelas? por Lara Isa Costa Ferreira e Flávia Tadim Massimetti; Castelo de Faria (caderno de viagem) por Vania Costa.


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Quando abraçamos o desafio de criar uma revista decidimos apostar em diferentes formas de publicação e difusão, de modo a garantir uma maior acessibilidade de acesso aos conteúdos por nossas leitoras e leitores; assim a Revista Lina poderá ser consultada na via impressa, mas também nos formatos digitais em pdf e website. Por último, queremos reconhecer e agradecer a todas as autoras e autores que aceitaram o desafio de concretizar este projeto coletivo tão urgente e necessário, contribuindo com seus testemunhos e pesquisas para que pudéssemos chegar até aqui. Agradecemos também às autoras convidadas pela sua generosidade, criatividade e entusiasmo para este número #0 da Revista Lina, quando ainda éramos apenas uma ideia. O nosso muito obrigada a todas e a todos pela vossa colaboração, paciência e confiança, estamos certas que juntas e juntos somos mais fortes e iremos mais longe!


Saudações Feministas,


A Equipa Editorial da Revista Lina


Maria José Marques da Silva a defender trabalho final de curso CODA, 1943 (FMS)











 

Notas

* A Equipa Editorial deste número é composta por:

Alícia Medeiros, Arquiteta, Investigadora, Artista e Produtora Cultural Independente. Co-fundadora do Coletivo MAAD.

Ana Arantes, Estudante de Arquitetura.Co-fundadora do Núcleo Feminista da FAUP.

Chloé Darmon, Arquiteta e Investigadora. Co-fundadora do Núcleo Feminista da FAUP.

Isabeli Santiago, Historiadora de Arte, Investigadora e Assistente de Curadoria na Galeria Municipal do Porto. Co-fundadora do Coletivo MAAD.

Natália Fávero, Arquiteta e Investigadora. Co-fundadora do Núcleo Feminista da FAUP.


[1] PÉREZ-MORENO, Lucía C (ed.). Perspectivas de género en la Arquitectura. Primer Encuentro. Madrid. Abada Editores, 2018, p. 83.



[3] “A presença das mulheres arquitectas portuguesas no desenvolvimento da prática arquitectónica, da investigação e do ensino, está longe de se encontrar identificada e reflectida. As questões fundamentais que colocamos são: quem?, quando?, e como?, contribuíram as arquitectas para a nossa história da arquitectura, mesmo se quase sempre na sombra. [...]” Disponível em : https://warch.iscsp.ulisboa.pt/projeto-equipa/


 

Para ler este e outros artigos em pdf, faça o download no link abaixo:



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