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"O Háptico de Fernanda Fragateiro enquanto proposta de vivências feministas do espaço público"

Atualizado: 18 de out. de 2023

por Joana Tomé


Resumo:


Propõe-se, a partir da análise de Caixa para Guardar o Vazio de Fernanda Fragateiro, um perscrutar do háptico enquanto estratégia feminista de leitura do, e em relação com, o espaço arquitectónico. Situando a obra entre escultura e arquitectura, aprofundam-se as ligações que estabelece com a última. Define-se o háptico, da sua génese em Riegl à sua inflexão deleuziana, retomando de Giuliana Bruno o que o liga a um espaço feminino por excelência. Em contraponto com um clássico modelo perspéctico, olha-se o háptico enquanto fulcral a um espaço arquitectónico feminista no qual se privilegia a tangibilidade, a deambulação, a habitabilidade e a funçãosocial da arquitectura.


Palavras chave: Fernanda Fragateiro, háptico, arquitectura feminista, espaço, corpo, Gilles Deleuze, Rosalind Krauss, Luce Irigaray, Giuliana Bruno, Debora Fausch



 


Introdução


Ensaia-se, no presente artigo, um perscrutar da noção de háptico no âmbito da análise de Caixa para Guardar o Vazio (2005), de Fernanda Fragateiro (Montijo, 1962), enquanto proposta de espaço habitável onde se destitui o “neutro” e“universal” olhar arquitectónico masculino, panóptico, do seu cerrado domínio sobre pensamento e práticas da arquitectura. Assim se abrirá caminho a um conceber materialista do espaço arquitectónico e, por conseguinte, a uma vivência feminista do mesmo [1]. O háptico, espaço feminino por excelência, encontrará eco numa concepção feminista da prática arquitectónica, concebendo o espaço da arquitectura enquanto, não neutro, mas inevitavelmente permeável à diferença sexual. Pensada, no presente artigo, enquanto proposta última de arquitectura feminista háptica, Caixa para Guardar o Vazio apresentar-se-á possibilidade prática, assemblage espaço-visual em movimento: passagem do óptico ao háptico, do olhar ao corpo.


1. Entre Escultura e Arquitectura


Caixa para Guardar o Vazio (Figura 1) inscreve-se na prolífera abertura de possibilidades artísticas e conceptuais a que conduziu a teorização da escultura no campo expandido por Rosalind Krauss (Krauss, 1984: 31-42). Originalmente publicado em 1979, o seminal ensaio vinha por fim libertar a escultura do impasse a que havia sido votada pelo modernismo. Reduzindo-a à soma dos termos negativos não-paisagem e não-arquitectura, a modernidade havia-a empurrando para a pura negatividade, transformando-a numa espécie de ausência ontológica: definia-se o campo da escultura através de uma antagónica combinação de exclusões, apontando para aquilo que se encontrava na paisagem porém não era paisagem, e para aquilo que se encontrava no espaço arquitectónico e não era arquitectura. Krauss reivindicava, antes, uma categoria historicamente situada, fazendo corresponder arquitectura à não-paisagem e paisagem à não-arquitectura, convertendo, deste modo, a escultura num campo logicamente expandido. Tal implicação, por conseguinte, voltava a equacionar os termos paisagem e arquitectura numa relação de reciprocidade com a escultura.


Caixa para Guardar o Vazio caminha, pois, entre escultura e arquitectura: existe num incomensurável espaço háptico de possíveis combinações escultóricas entre arquitectura e não-arquitectura, e é também aí que conflui a pertinência da abordagem desta obra no contexto dos discursos e práticas arquitectónicos.


2. Da percepção háptica do espaço


“Háptico”, de raiz etimológica grega, prende-se a um ser capaz de entrar em contacto com. É, enquanto toque – função da pele –, o contacto recíproco entre sujeito e ambiente que o envolve. A noção conhece génese em Alois Riegl, num esforço por reformulação da espacialidade na teoria da arte, vindo a influenciar significativamenteWalter Benjamin, que a adapta a uma subversão da hierarquizada relação entre toque e visão. O termo vem ocupar lugar central na análise que Deleuze e Guattari (Deleuzee Guattari, 2004: 603-635) dedicam ao Espaço Liso, de contornos hápticos, e aoEspaço Estriado, ligado ao óptico [2], afastando-se, muito embora, de Benjamin no entender do háptico e óptico enquanto não dicotomicamente opostos, mas em contaminação recíproca e constante.


Medida da nossa apreensão táctil do espaço, o háptico permite que aos olhos que se ligue a uma função para lá da opticalidade, expressa, na Caixa, numa efectiva – e afectiva – intervenção no espaço material da arquitectura. De recurso a meios tradicionalmente estranhos à escultura, quais as lógicas de construção e escala arquitectónicas, a obra convoca um necessário carácter de habitabilidade mediante o emprego de espelhos, que situam o sujeito virtualmente dentro do espaço, e a construção de madeira que o situa materialmente dentro da obra (Figura 1). A fetichização do objecto escultórico, a partir de Rodin, agora algo passível de apropriar –, por meio da anulação do plinto, e consequente dessacralização da obra, havia permitido que a escultura se libertasse da solenidade em que se encontrava classicamente aprisionada e existisse agora perto do espectador. Partindo deste postulado moderno que abre caminho a uma imiscuição com a obra, Fragateiro concebe um espectador a quem se permite, mais que olhar a obra a partir de todos os ângulos, habitá-la através do seu próprio corpo, numa exploração háptica da escultura na sua inflexão arquitectónica e o consequente esbater das delimitações entre os dois campos e registos plásticos.



Figura 1. Fernanda Fragateiro, Caixa para Guardar o Vazio, 2005. Fonte: Fragateiro, Fernanda (2007), “Caixa para Guardar o Vazio”, Lisboa: Assírio & Alvim


3. Do háptico enquanto espaço em movimento, de contornos femininos


É no contexto de um háptico agente na formação de espaço material e cultural, que Giuliana Bruno faz remontar, no ensaio Atlas of Emotion: Journeys in Art, Architecture and Film (Bruno, 2007), o háptico na arte ao Pitoresco. Porque privilegia, não uma estética da distância, mas um sentir através do olho, o Jardim e o Pitoresco pictóricos haviam sido veículos para um caminhar face à imagem e imaginação hápticas e, precisamente por isso, lugares privilegiados da deambulação feminina, até aí interdita à mulher. A caminho de uma visão táctil do espaço, é-nos oferecido, no háptico, um espaço heterogéneo, composto de centros em movimento. Aí se desenha um complexo sistema de linhas perspécticas que invocam a acumulação de vistas de um olho em movimento, como que narrativizando a arquitectura através dos percursos e movimentos de um espectador situado dentro (Figura 2).


Figura 3. Jan Vredeman de Vrie, Perspective, 1604-5. Fonte: www.google.com/

O háptico propõe, pois, uma radical transgressão de modelo perspéctico clássico que desde cedo impôs uma violenta ordenação do corpo feminino - não só através da compulsão Ocidental por uma renúncia da matéria, mas através da imposição de barreiras, convenções, poses e perspectiva a um corpo que, porque alteridade em si mesmo, se apresentava ameaça à ordem do mesmo [3]. Este entendimento clássico dos mecanismos e lógicas do olhar partiam da metáfora albertiniana da pintura enquanto janela aberta para o mundo, fazendo uso de ferramentas perspécticas que permitiam passar, com exactidão, do real para o espaço da representação, como notório na grelha perspéctica de Dürer (Figura 3). Aí, através da geometria e da perspectiva, disciplinas reguladoras de uma arte ilusionista(a pintura, na sua pretensão albertiniana), se olha e apreende uma mulher, deitada em jeito de objecto a ser estudado, abundante de curvas e linhas onduladas, frente a um homem, compenetradamente sentado, envolto de formas aguçadas e verticais, fálicas.



Figura 3. Albrecht Dürer, Draftsman drawing a female nude, 1525. Fonte: www.google.com/


4. Da materialidade na relação entre corpo e espaço


O império deste escopofílico olhar masculino (tido por “neutro” e “universal”) mostra-se, na óptica de Luce Irigaray, sintoma de uma cultura Ocidental dominada por lógica na qual prevalece o gaze [4], a fetichização da visão (Irigaray, 1985). Vem-se acomodando um olho, unificado e imóvel, que nos remete para as ilusões criadas pelo espaço perspéctico da pintura [5], no âmbito do qual se dirige a imagem de um único e essencial ponto espacial a um outro de onde o olhar parte, interpelando um espectador sem corpo: um olhar idealizado e soberano sucessivamente considerado masculino. O espaço existe, nesta concepção, homogéneo e impermeável, como que frente ao corpo e, como tal, irremediavelmente desligado deste.


A obsessão da cultura Ocidental com a sublimação da matéria permeia inevitavelmente a arquitectura, espelhando uma difícil relação coma materialidade e o corpo feminino, historicamente pensados a par. A visão - tida por o menos corpóreo dos sentidos - ascende, também aí, a sentido primeiro e metáfora para o pensamento, mostrando-os resquícios da herança iluminista que olhava a luz como imagem última da faculdade da razão, e impondo, consequentemente, uma separação inexorável entrevisão e corpo. Também a modernidade e a pós-modernidade, comas distintas inovações das capacidades tecnológicas que transformavam drasticamente as relações entre espaço e tempo, vinham, adiante, exacerbar esse sentido de sublimação do corpóreo que conflui para o ideal do sujeito desencarnado.


Em contraponto, lê-se The Knowledge of the Body and the Presence of History- Towards a Feminist Architecture, de Debora Fausch (Fausch, 1996), defendendo uma arquitectura feminista enquanto estrategicamente ligada à apreensão e compreensão do espaço através de uma necessária experiência sensorial para lá da visão. O corpo pensado enquanto imprescindível instrumento na relação entre sujeito e arquitectura é conceptualizado num quadro já muito distante de um entender clássico de arquitectura no qual a leitura do espaço arquitectónico seria feita em termos de sequência, procurando e prevendo ligações e contrastes. É no contexto de uma arquitectura feminista que se parece apresentar profícua uma leitura da Caixa para Guardar o Vazio, afastando-a do clássico entendimento da espacialidade enquanto um estar perante, no qual o espectador se situa passivamente, e aproximando-a de um incitar a adentrar o espaço numa obra que se mostra tangível (Figura 4).



Figura 4. Fernanda Fragateiro, Caixa para Guardar o Vazio, 2005. Fonte: Fragateiro, Fernanda (2007), “Caixa para Guardar o Vazio”, Lisboa: Assírio & Alvim

Construção sem início ou fim, transmuta-se - pautada pela democrática fruição da obra - por uma infinitude de possibilidades espaciais, do cubo de painéis madeira fechado em si mesmo (Figura 5) a uma metamorfose de entradas plurais. Aberturas e módulos móveis são passagens para exploração e transformação literal do espaço precisamente porque se mostram dispositivos que implicam uso e habitação–implicam corpo –, e, de múltiplos pontos de contacto, tão múltiplos quanto os corpos que os habitam, a obra abre-se ao exterior e consente que este se apodere de si (Figura 6). Multiplicam-se mecanismos que a fazem metamorfosear-se no espaço e crescer; complexifica-se e multiplica-se o interior e o exterior e as próprias entradas deixam de ser claras – nenhuma se sobrepondo às restantes (Figura 7). A madeira da construção e o tapete de algodão instalado no chão abrem-se ao toque e o espelho afirma-se, também ele, possibilidade espacial; criam-se relações entre realidade e virtualidade num prolongamento simultaneamente real e virtual do espaço. Os ângulos de visão multiplicam-se propondo um espaço onde o olho adquire uma função háptica desconvocando o modelo clássico da visão estática e absoluta. Fragateiro propõe um espaço enquanto possibilidade, enquanto experiência; a visão não domina, é, antes, recusada em prol de uma sensibilidade de base no nomadismo, agente privilegiado da percepção háptica.


Figura 5. Fernanda Fragateiro, Caixa para Guardar o Vazio, 2005. Fonte: Fragateiro, Fernanda (2007), “Caixa para Guardar o Vazio”, Lisboa: Assírio & Alvim

Figura 6. Fernanda Fragateiro, Caixa para Guardar o Vazio, 2005. Fonte: Fragateiro, Fernanda (2007), “Caixa para Guardar o Vazio”, Lisboa: Assírio & Alvim

Figura 7. Fernanda Fragateiro, Caixa para Guardar o Vazio, 2005. Fonte: Fragateiro, Fernanda (2007), “Caixa para Guardar o Vazio”, Lisboa: Assírio & Alvim


5. Da arquitectura feminista háptica


A arquitectura moderna, de característica ênfase na reflexão sobre construção e materiais, parecia haver-se aproximado deste desejo por tangibilidade [6], porém

afastara-se terminantemente de uma arquitectura feminista e háptica na primazia absoluta que oferece à visão e à auto-referencialidade. A tangibilidade moderna era, pois, procurada para ser percebida exclusivamente a partir da visão, e o uso do corpo para apreender significado seria, aí, mera ferramenta de auto-referencialidade da construção - lembre-se promenade architecturale de Le Corbusier [7], arquétipo da experiência moderna do espaço arquitectónico, onde um uniforme e linear espaço-tempo impele o observador à contemplação em movimento porém desencarnada. Aí se edifica um espaço racional cartesiano assente na implacável distinção entre mente e corpo, extremada posteriormente na quase imaterialidade espaço-temporal pós-moderna.


Face a estas experiências no espaço arquitectónico que englobam em si as hegemónicas narrativas do corpo e do sujeito (este, continuamente masculino), se constrói uma história outra, colectiva, a partir das margens - viva nos espaços de uma arquitectura háptica, feminista. Pensar o háptico no contexto de uma arquitectura feminista permite a formulação, e efectiva construção, de um tipo de espacialidade distinto e, necessariamente, de uma recíproca relação entre esta e o sujeito. Caixa para Guardar o Vazio expressa essa mesma preocupação última como carácter performativo da obra, impelindo a interacção do espectador com esta e a sua vivência corpórea (Figura 8), intensificando-se a experiência do corpo enquanto lugar físico onde se estabelecem as operações estéticas.



Figura 8. Fernanda Fragateiro, Caixa para Guardar o Vazio, 2005. Fonte: Fragateiro, Fernanda (2007), “Caixa para Guardar o Vazio”, Lisboa: Assírio & Alvim

Espaço de errância - habitável, atravessável, tangível, transformável pela passagem do corpo - concebe-se, lembrando a teorização de Bruno, “engagement with environmental history and its inhabited, lived space” (Bruno, 2007: 16). Uma arquitectura feminista háptica é possibilidade de movimento a partir das margens: margens metafísicas, de posicionamento do sujeito; e margens físicas, da posição que a periferia ocupa no espaço urbano. Assim se postula um espaço enquanto prática e uma arquitectura dinâmica, assente nas possibilidades rítmicas das vivências, já muito distante de construções tectónicas e fixas. A experiência física do espaço enquanto estar dentro/envolvido/embebido, subverte as dicotomias mente/corpo, razão/matéria, forma/significado, substituindo-as por uma significação corpórea, encarnada; aí se produz um sujeito feminista cuja estratégia será a corporalização do conhecimento.


Fernanda Fragateiro anula, neste sentido, as dicotomias interior/exterior, público/privado, finito/infinito, abrindo o tecido da cidade a uma subjectividade feminina que se constrói edificando um espaço dentro de um espaço – comas suas plurais possibilidades de abertura e fechamento sobre a realidade espacial. Entrar naCaixa para Guardar o Vazio é não mais a ver, estar-se demasiado perto impossibilitando os mecanismos e lógicas perspécticos clássicos; é perder-se num deleuziano espaço liso, sem lugar para perspectiva ou centro, aí se diluindo o horizonte, o fundo, o limite, o contorno e a distância intermédia, convocando-se, por conseguinte, a imperativa entrada física na obra reinventando a multiplicidade de experiências e trajectórias do sujeito no espaço. É, em última análise, contaminação recíproca: “the physical self occupying narrativized space, who leaves traces of her history on the wall” (Bruno, 2007: 65).


Conclusão


Construir ligação entre háptico e espaço arquitectónico feminino é, tanto um esforço genealógico de exploração, em movimento, do espaço, quanto um reivindicar do papel social da arquitectura como instrumento de transformação social e política. O háptico, possível de se conceber no campo material da arquitectura como um atravessar livre do espaço, permite que uma arquitectura radicalmente feminista corporalize uma subjectividade feminina. Aí, uma espectadora mulher, móvel, efectiva e afectivamente dentro da obra - por oposição a um observador, passivo, contemplador, estático, de gaze fixo, desencarnado - conhece por fim espaço, ao arrepio das históricas restrições ao seu movimento, ainda hoje expressas na violência e na ausência do direito da mulher à cidade.


A noção de arquitectura feminista reflecte-se igualmente, neste sentido, na obra de Fernanda Fragateiro, como entender da arquitectura enquanto informada pelo seu contexto social e por práticas fundadas em noções de colaboração e cooperação, contrariando a desresponsabilização das consequências sociais do trabalho do arquitecto - tão comuns num entender da arquitectura enquanto acção individual e distante tanto do seu papel social, quanto do trabalho manual que a sustém. Arte política por excelência porque fixando no domínio público mundividências e valores partilhados, a prática arquitectónica não existe desligada do mundo, ela estabelece relações, mais ou menos evidentes, comas dinâmicas sociais e culturais do contexto em que se insere; é aí que se situa o potencial imenso de transformação da realidade material dos sujeitos.


Concretização de alternativa a um modelo clássico monocular e panóptico, no qual a perspectiva se encontrava desligada do corpo, e que vem permeando o entender Ocidental de espaço e arquitectura, abre, em última análise, a possibilidade de uma

errância feminina, encarnada, no espaço da arquitectura e no espaço urbano, expressando novas espaço-visualidades e vivências a partir de configurações arquitectónicas. Sendo, a arquitectura, estrutura - física mas igualmente conceptual - para as vivências dos sujeitos, Caixa para Guardar o Vazio apresenta-se, pois, documento arquitectónico-escultórico de uma livre subjectividade feminina, absolutamente relevante a um contemporâneo repensar da arquitectura, do espaço urbano, da escultura, do espaço e do olhar.


 

Notas


[1] Por “arquitectura feminista” se terá, ao longo do texto, uma acepção dos processos de construção e vivência dos espaços, e suas potencialidades transformadoras, naquilo que são as suas características específicas de género (indo beber às teorizações feministas francesas da diferença sexual).


[2] Identificar-se-ia, o espaço estriado, com o tecido ou a cestaria - conjunto de elementos paralelos, horizontais e verticais, que se entrecruzam -, apresentando um avesso e um direito e tendendo a devir homogéneo. Já o espaço liso se mostraria característico do feltro - o anti-tecido -, não implicando, como tal, entrecruzamento, mas apenas encadeamento de fibras; sem direito ou avesso, apresentar-se-ia heterogéneo, amorfo.


[3] O modelo perspéctico clássico edificava-se sobre um olhar masculino que se vem fixando sobre a mulher e que a contamina de uma alteridade que implacavelmente a relega para a condição de Outro, por oposição a ummesmo, masculino - invocando o paradigmático léxico de Simone de Beauvoir em O Segundo Sexo (Beauvoir, 2009).


[4] Será importante lembrar, igualmente, a teorização do gaze masculino, desenvolvida por Laura Mulvey (Mulvey, 2009)

[5] Lembre-se, a propósito, Brunelleschi e as primeiras experiências sobre a perspectiva, nas quais a Piazza del Duomo se reflectia condicionada por um imóvel e único ponto de vista.


[6] Lembra-se Walter Benjamin olhando a arquitectura enquanto o consumar efectivo da obra de arte pois assente numa apropriação táctil das construções (BENJAMIN, 2007: 239-240).


[7] Uma verdadeira promenade architecturale ofereceria uma constante mudança de vistas, prestando-se à apreciação de um sujeito em movimento, como defendido por Le Corbusier (LE CORBUSIER, 1964: 24).


 

Referências


Beauvoir, S. (2009). O Segundo Sexo – Volume I, Lisboa: Quetzal Editores.


Benjamin, W. (2007). Illuminations - Essays and Reflections, Nova Iorque: SchockenBooks.


Bruno, G. (2007). Atlas of Emotion: Journeys in Art, Architecture and Film, NovaIorque: Verso.


Deleuze, G. e Guattari, F. (2004). Mil Planaltos: Capitalismo e Esquizofrenia 2, Lisboa: Assírio e Alvim.


Fausch, D. (1996). The Knowledge of the Body and the Presence of History: Toward a Feminist Architecture. In Coleman, D. (ed.), Architecture and Feminism, Nova Iorque: Princeton Architectural Press, 38-59.


Fragateiro, F. (2007). Caixa para Guardar o Vazio, Lisboa: Assírio & Alvim.


Irigaray, L. (1985). This Sex Which Is Not One, Nova Iorque: Cornell University Press.


Le Corbusier (1964). Oeuvre Complète, vol. 2, Zurique: Editions Gisberger.


Krauss, R. (1984). Sculpture in the Expanded Field. In Foster, H. (ed.), The Anti-Aesthetic: Essays on Postmodern Culture, Washington: Bay Press, p. 31-42.


Mulvey, L. (2007). Visual and Other Pleasures, Basingstoke: Palgrave Macmillan.


 

Autora: Joana Tomé, Designer e co-fundadora do estúdio de design MATH IS GOOD. Doutorada em Belas-Artes, na vertente de Ciências da Arte, pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, investigadora no Centro de Investigação e de Estudos em Belas-Artes (CIEBA), da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. De Setúbal, Portugal.


 

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